Reclamações





Quando num restaurante a carne chega crua à mesa todos me dizem: "Eu reclamava!". E eu reclamo. Quando numa loja espero mais de uma hora para comprar uma pastilha elástica todos me dizem: "Eu pedia o livro de reclamações!". E eu reclamo. Quando num hotel a cama tem cabelos dos hóspedes anteriores todos me dizem: "Eu vinha logo embora e fazia um escândalo!". E eu reclamo. Quando num bar me servem a bebida errada todos dizem: "Reclama que eles trocam". E eu reclamo. Quando o carro não pega, vai ao mecânico e volta a não pegar todos dizem: "O melhor é levares o carro lá outra vez e reclamares". E eu reclamo. Quando um produto de um hipermercado está marcado a um preço e passa na caixa a um preço mais caro eu reclamo. Quando um funcionário de qualquer estabelecimento me trata mal eu reclamo.
Então porque é que quando um músico toca mal todos me dizem: "Deixa lá!"? É por ser artista? Não pode ser essa a explicação porque, no caso, se toca mal não é artista.
E sabem o que eu faço? Reclamo! Esquisito? Não, trata-se simplesmente de coerência.
Se qualquer produto, do sector primário ao terciário, me desagrada eu reclamo. Seja o sujeito em causa um vendedor, um trolha, um picheleiro, um pintor, um escultor ou um músico.
Agora argumentem que eu na minha vida não enfrento reclamações. Já está? Pois saibam que no hospital o livro é amarelo! Não vai para a ASAE, vai para o Ministério que nos tutela, o da Saúde. Por isso, é ainda mais grave!
E na literatura? Sabem quantas pessoas me dizem, por mês, que não gostam de ler? E eu não as obrigo nem discordo delas porque têm o direito aos seus gostos e opiniões.
Mas eu não cometo erros ortográficos constantes, o que na música corresponderia a várias notas ao lado.
E será que o facto de eu tocar piano, num nível ainda iniciante, é motivo para não poder criticar ou ter de demonstrar mais capacidade do que aqueles que critico? Não, porque eu, mesmo que toque em público, não cobro. E, não cobrando, também não me aventuro a tocar músicas que não sei ou a executar técnicas que desconheço.
Tudo isto significa que vivemos entre a mediocridade onde o básico chega para desempenhar qualquer função. Hoje qualquer um lança um livro, qualquer um fotografa, qualquer um pinta, qualquer um canta, qualquer um toca um instrumento... Mas o tempo é soberano e para a história ficam as lendas. E todos os que se alimentam da mediania perdem-se na passagem do quotidiano.

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