Pobres coitados

Em época natalícia, ajudar os mais desfavorecidos será, porventura, uma das acções mais bem praticadas. Quanto a mim, continuo a achar que será uma tentativa dos ricos de fugir aos impostos e dos pobres de um dia serem riscos para poderem, imagine-se a desfaçatez, fugir aos impostos. Eu não sendo rico nem pobre - rico só se associado à palavra traste e pobre a par do vocábulo diabo – tenho alguma dificuldade em classificar a minha ajuda aos coitadinhos. Ainda assim, a proliferação de benfeitores é de tal forma visível que me leva a cometer o mesmo pecado: o de ser um coração mole e cair na redundância de, ano após ano, levar um pouco de mim a quem tem menos.
Foi o que fiz Sábado, na Fnac do Norteshopping, e Quarta-Feira, no auditório da Reitoria da Universidade de Aveiro. No primeiro caso, a minha ajuda aprouve a um senhor de cabelos brancos, revoltado com várias circunstâncias da sua vida. No segundo, para mal do meu coração amanteigado, tratava-se de um jovem, em plena flor da idade, em posse quase perfeita do seu poder juvenil, mas a ajuda era tão ou mais necessária. Olhando para aqueles dois pares de olhos, ainda que em dias diferentes, a minha reacção foi a mesma. Tinha de lhes dar algo, fazer com que eles se pudessem lembrar de mim mais tarde, dar um pouco de mim a quem, subliminar ou literalmente, já tanto me tinha dado. Assim, depois de ouvir as suas palavras, de ambos, sublinhe-se, mas em dias diferentes, decidi pegar num dos meus livros e entregar de forma totalmente gratuita aos dois pobres coitados. Mas, se pensam que me fiquei por tal simples acto de bondade, mesmo que essa estagnação não fosse de todo reprovável, livrem-se desse engano. Fiz ainda o favor de adquirir as suas obras, como se faz com os estropiados e artistas de rua em Santa Catarina: uma esmola em troca de uma obra de arte de valor dúbio. Resta-me a esperança de que, por esta altura, António Lobo Antunes e Ricardo Araújo Pereira, estejam a ler o meu livro, tal como faço com os deles.

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