Palavra de uma gravata



Conheço gente boa que cometei erros e cumpriu pena de prisão. Conheço muita gente de fato ou farda que não é boa companhia nem para o cão. Conheço pessoas inteligentes que fumam droga. Conheço vegetarianos que são autênticos imbecis. Conheço escritores a quem custa escrever. Conheço gente que escreve que acha que é escritor. Conheço músicos com carreiras estagnadas que não se sujeitam a nenhum desafio. Conheço músicos de renome que comem frango a tour toda e já fizeram concertos em cima de grades de cerveja.
Criticar é sempre mais fácil do que fazer e, quando se faz, a imitação continua a ser a opção para todos aqueles que preferem o facilitismo à originalidade.

Os gostos vão para além da atestação da competência. Gostar ou não do que alguém faz é completamente diferente de reconhecer se o que faz é bem feito. Temos ainda a possibilidade de não gostar e não perceber por que razão muitos outros gostam, mas nesse caso, como acima, veremos que há algo que temos de reconhecer como sendo bem trabalhado.
É assim no caso de músicos, escritores, apresentadores de televisão, cineastas… Também é assim em profissões menos artísticas. Podemos detestar a abordagem de um qualquer advogado, mas se ele cumpre os prazos, evita litígios e ganha processos em tribunal é competente. 
É muito frequente vermos este tipo de atitude nos cirurgiões. Alguns têm um complexo de Deus demasiado engrandecido por lidarem directamente com vidas humanas. Não nos esqueçamos, contudo, que os há tanto excelentes como péssimos. Em ambos os casos, a percepção dos que os rodeiam é, não raras vezes, de assombro pelo mau feitio e pelo ego desregulado. Apesar dessa semelhança, os excelentes cumprem os preceitos da competência como poucos.
Da mesma forma que a maioria apregoa que não se deve julgar um livro pela capa - apesar de ser a capa que mais incentiva os debutantes às leituras mainstream - também não se deve julgar as pessoas. 

Neste preciso momento, escrevo no avião. Faço vários voos por mês por razões profissionais e costumo viajar ora de cap ora de gorro SEW, a nossa marca de headwear. Desde 2015 que uso este tipo de acessórios. Servem de protecção ao frio a que a minha calvície me expõe e aproveito para fazer publicidade ao que é nosso. 
Há momentos em que o uso de cap, mais do que o gorro, me traz algumas dificuldades. Há bares onde não se entra de cap e há mais probabilidade de ser controlado no aeroporto. Noutros momentos as vantagens são notórias. Menos pessoas me pedem dinheiro na rua e quando tenho de me impor sou ouvido com outro cuidado. 
Qualquer das situações apresentada consiste num estereótipo que não se combate facilmente. Pior, com a habituação acabamos por não combatê-lo de todo. De outra forma estaria a explicar a toda a hora que estou longe de ser um indigente e que tenho mais trabalho do que alguns dos senhores de fato que recebem sorrisos. 

Não me interpretem mal. Também adoro usar fato. Sou tão eclético na roupa como em qualquer das minhas experiências. Só acho estranho que a sociedade esteja pronta a impingir-nos um conceito baseado num acessório.
Quando ainda tenho o cap na cabeça e me levanto para ir buscar o computador à bagagem apercebo-me de alguns olhares de admiração. De repente, sou outro apenas porque escrevo num MacBook Pro. 
Perceba-se que quem o faz é quem vota. É quem desconfia de um cap mas aceita passivamente todas as palavras de uma gravata - ultimamente prefiro laço - que acaba por eleger populistas desbocados pelo mundo todo ou deputados de extrema-direita na Andaluzia.

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