Ainda assim é Natal


Ninguém devia morrer no Natal. 
Natal é momento de enterrar a poeira da tristeza debaixo do tapete do sorriso. 
Natal não não é momento de enterrar quem se ama, nem de com eles abandonar a esperança.
Quando desliguei o telefone, sabia que tinha acabado de assassinar o Natal daquele idoso. Sabia que tinha obrigado aquele pai a dizer à filha, a sua já mais do que adulta sempre eterna menina, que a mãe os tinha deixado.
Natal é boas notícias, é celebração de vida e felicidade, mas através daquele auscultador não se enviam acenos de condolências, não se dá um abraço, não se aconchega o coração petrificado que nós enegrecemos.
Natal é amor, mas isso é o que os fará chorar. 
Deixei correr a minha tristeza numas míseras e pouco profissionais lágrimas, que não serviram sequer para arredar o nó em que o peito se tinha transformado.
A imagem do seu Natal, não este, não o próximo, mas todos eles, esventrado por mim com uma adaga de más notícias.
Ainda assim, haverá bolo-rei e pão-de-ló, prendas e agradecimentos, uma vida para além das que se finam e das que choram.
Afinal, o Natal é cego. Mesmo este Natal que eu matei ainda que com dó e piedade. É época de felicidade, mesmo que esta lá não esteja; é tempo de solidariedade, mesmo que os dias a percam; é o momento da família, mesmo incompleta, mutilada, destroçada.
Com nuvens negras, passagens tenebrosas e esperanças destroçadas, ainda assim é Natal.

Comentários

Anónimo disse…
Natal é todos os dias e todo o dia não é dia de enterrar quem se ama!

Muita força e pensa só que a tua voz foi, com toda a certeza, a mais certa para dar a notícia a essa família.

Há sempre uma razão para tudo e há pessoas que se cruzam no nosso caminho com um propósito. Estavas no caminho dessa mulher e ela escolheu-te a ti para rematar toda uma historia de vida!