Será pedir muito?






A noção de limitação é estranha. Depois da minha queda num dos ciclopercursos - tão cedo, logo após a compra da nova bicicleta - provo o acre sabor da incapacidade de cumprir algumas tarefas.
Nada de força nesse braço que se torceu sobre si mesmo, nada de peso, pausa em todas as actividades. Sim, porque todas usam os braços.
Para-se com o trabalho, com o ginásio, com os passeios em duas rodas, com a dança e o piano e apenas se mantém a escrita e a leitura, fáceis de manter mesmo com um braço a meio gás.
E que tal tocar no delicado assunto de poucas pessoas entenderem que isto dói? Será muito, pedir àqueles que comigo partilham uma formação para estas coisas dirigida que, pelo menos, se poupem à crítica?
Será necessário mostrar que, noutras alturas, o mesmo lhes aconteceu ou acontecerá e também se sentirão limitados? Será fácil esquecerem que, noutras alturas, estive lá para colmatar outras ausências?
É triste, mas diz muito acerca do momento em que vivemos. Diz muito acerca da crise existencial que está por detrás de tudo quanto é falta de princípio ou falta de compreensão.
Num mundo assim, ressalve-se que há excepções. Nessas, encontra-se um certo aconchego do frio que se faz em alguns corações.
Hoje, mais do que nunca, somos um número, uma quantidade de horas, uma taxa de produtividade, um sem fim de factores, vectores e quantificadores...
Mas lembrem-se que do outro lado está um fulano, um sicrano e um beltrano...Que do outro lado está um Fernando, por exemplo, a quem as dores de ombro não largam e que escreve isto porque ao lado dessas dores outras preocupações nascem, vindas de um poço negro que não devia existir cheio de falta de tudo o que em criança nos ensinam. Ou será que não ensinam?
Eis que enfrento hoje não só a simples aventura de tomar banho ou a necessidade de ajuda a vestir um casaco, bem como a plena deturpação do tão badalado espírito natalício.

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