De Indignados a Conformados: um Passo de Hábito ou Cravos à Lei da Bala

Desde que a crise se instalou definitivamente nos bolsos dos portugueses e que a Europa é abalada constantemente com notícias que deitam por terra as infindáveis excelentes características que nos foram apresentadas acerca do Euro e da vantagem que é possuirmos uma unidade monetária que me questiono acerca daquilo que estamos a fazer para que tudo mude. Só há pouco tempo se percepcionou com nitidez que os portugueses queriam mudar de rumo. Viam-se manifestações em Espanha, na Grécia havia tumultos e em Portugal a mesma serenidade própria de um povo que prefere, enquanto está dentro deste pequeno e tão belo rectângulo, proteger-se antes e expor-se só em caso de anunciada catástrofe. Digo cá dentro, porque sei de fonte segura que não há povo que vença a vontade dos portugueses quando estes se decidem a desafiar as leis da normalidade, quando estes se propõem a vencer a vigorosa parede do destino e, noutro país, trabalham de tal forma que vêm a ser considerados dos povos mais laboriosos que existem. Portugal, apesar de até já se confrontar com bandeiras invertidas, terá acordado um pouco tarde. Todos aqueles que, muito embora pretendam ser forças de oposição, fazem ainda parte do sistema político, poderão ter, de alguma forma, sustentado até mais tarde uma situação que já se antevia incomportável. Agora que finalmente estamos despertos, ouço conversas de corredor sobre a violência de algumas das nossas manifestações. Que os portugueses não são assim; que são pacíficos; que não deveriam ceder à incitação subliminar que é ver outros cidadãos, noutro país, na mesma condição agirem desta forma; que as nossas manifestações sempre foram pacatas; que até a nossa revolução se fez com flores e não à lei da força... Pare tudo! É contra este último argumento, profundamente desrespeitador por quem fez a Revolução de Abril e por todos que poderiam ter sido condenados a miseráveis vidas caso esta não resultasse, que tenho de me insurgir. Pacíficos? Pacatos? Queremos ser um verdadeiro povo ou um grupo de crianças numa creche? Um povo, com toda a força que a palavra incita, mesmo ao ser pronunciada, revolta-se quando é pisado. Um povo ordeiro quando tudo corre dentro dos trâmites políticos aceitáveis e das condições sociais dignificantes pode e deve, quando tudo muda, renegar essa posição e insurgir-se.

  De cravos, força e balas 


 Quanto à Revolução, aos cravos e à falta de balas passemos por uma analogia. Imaginem-se na rua. Fazem um dos percursos que vos é tão comum, um daqueles que percorrem diariamente. E eis que, vindo do outro lado da estrada, um homem vos aborda, encostando um cano frio à cabeça, um cano pronto a ser aquecido pela velocidade férrea de um projéctil, e vos exige que desistam, que se entreguem e que lhe dêem a carteira. Perante este cenário, sem solução nem fuga, entregam a carteira. O ladrão chega a casa e diz: “Hoje, no meu último assalto, fui pacífico”. Foi? E se pudéssemos pegá-lo pelos colarinhos e lhe disséssemos entre gritos e perdigotos irritados que encostar uma arma à cabeça não é pacífico? E se eu pudesse gritar aos ouvidos de alguns energúmenos que entrar pelo Terreiro do Paço com duzentos e quarenta homens, dez viaturas blindadas, doze viaturas de transporte pessoal; vencer a ordem de um brigadeiro que se opunha dando, inclusive, ordem de fogo e ver os seus homens aceitarem o desígnio do Movimento das Forças Armadas; disparar – repito, disparar – rajadas de metralhadora e subjugar, desta, forma, um inteiro governo não democrático não tem nada de pacífico? Não tem e ainda bem que assim é! Porque nesse dia, Salgueiro Maia, ladeado pelos seus apoiantes, disse que os 25 de Abril vindouros seriam feriados e, pela força, com um Movimento das Forças Armadas, cujo nome é descritivo de uma intenção a que não foram forçados, mudou a face de um país. Ostracizado injustamente mais tarde, Maia mostrou que, naquele preciso momento histórico, nada mudaria sem o caminho da força e da coacção armada. Os cravos, símbolo tão perfeito para esta Revolução, não podem, de forma alguma, ser ridicularizados neste papel de substitutos da bala. Cada um teve o seu papel nesse dia. E Salgueiro Maia, apesar da desconsideração de que depois foi vítima, deixou o seu nome inscrito na História e numa história onde não se encontram muitos dos nomes que o enfrentaram e onde não se encontrarão os nomes daqueles que agora reduzem a Revolução dos Cravos. Cravos que surgiram à lei da bala. Guardem, então, os argumentos falaciosos para outra altura. Hoje, Portugal precisa de acção!




Foto: http://eideguimaraes.files.wordpress.com/2009/04/25abril11.jpg

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