Questões de perspectiva
As perspectivas de vida que temos
mudam. Sim, afinal, os objectivos não são estanques. São voláteis, esvaem-se,
esgotam-se, perdem-se no tempo.
Há coisas, por exemplo, que
tendemos a valorizar que não passam de meros pedaços de um vazio que,
arbitrariamente ou não, nos rodeia. É estranho que percamos tempo com esses
factos, mas eles, por serem parte integrante da nossa realidade, estão diante de
nós, sem misericórdia.
Todos já devem ter notado a
descaracterização de algumas prioridades, valores que se deveriam manter interminavelmente.
Mas, como os valores também têm tempo, acabam por ser ora ultrapassados, ora
hipervalorizados, ora ignorados. Tudo isto quase ciclicamente.
O melhor exemplo disso é o sexo. O
sexo, como partilha do prazer, tem vindo a perder o secretismo e a tornar-se um
tema menos silencioso do que antes. Democratizou-se, no fundo, e acabou por ser
impelido à compreensão da sua semântica. O seu significado, antes singular,
agora ter-se-á transformado numa multiplicidade de factores.
Contudo, o sexo encontra-se
sobrevalorizado. Quererei com isto dizer que o sexo não é algo extremamente
agradável? Pelo contrário! O sexo reveste-se de uma importância determinante na
vida das pessoas. É fundamental que exista, que seja bom, que seja feito com
vontade, que seja bem praticado, que seja tudo e mais o que a imaginação nos
puder dar... Mas não é tudo.
Os objectivos de vida que hoje em
dia tanto se apregoam são outro dos factores confundidos ad eternum com aquilo a que chamamos qualidade de vida. A qualidade
de vida de um soldador suíço que ganha um salário líquido de 2500 € é melhor ou
pior do que a de um médico português que receba o mesmo valor? Creio que se
perceberá facilmente que a profissão, e o estatuto social que a ela é mal
associado, não é um significante directo para a boa vida que todos sonhamos. O
soldador trabalha com maquinaria pesada, mas o médico passa noites em claro. O
médico passa horas infinitas no hospital sem ver a família, mas o soldador
passa os fins-de-semana a descansar do peso laboral de uma semana inteira.
Estas generalizações são
perigosas, mas ajudam-nos a provar a incongruência das declarações que ouvimos
no metro, no autocarro, no café e, incrivelmente, lemos em alguns jornais. No
fim de tudo, benditos o médico que se lembra que a folga também existe e o
soldador que vai jantar fora e divertir-se ao fim-de-semana. Questões de
perspectiva, portanto…
Por meu lado, as horas estão
contadas criteriosamente para uma multiplicidade de actividades. Não dá para
ser diferente, porque é assim que gosto de viver. E há tempo para tudo. Até
para escrever textos como este e para perceber que as prioridades também mudam,
frequente e bilateralmente, queo prazer de ontem ter saído pode ser o de hoje
ficar em casa, que o prazer de ontem ter lido pode ser hoje o prazer de usar um
gadget, que o prazer de ter um corpo novo a explorar pode hoje ser o prazer de
ter alguém que ouça e ocupe o vazio ao nosso lado e que também pode ter um
corpo novo a explorar, o que mostra que pouco nesta vida é exclusivo…
Porquê? Há quem chame prisma,
visão, orientação, escolha… Eu, aqui, preferi chamar-lhe perspectiva.
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