E fez-se luz...

Há um processo mental que gosto de construir com quem lê aquilo que escrevo. É um processo revelador, algo intimista, que mostra aquilo que quero dizer de uma forma mais ou menos velada, como se eu não pudesse – e às vezes não devo, apesar de poder – referir-me ao assunto directamente.
É isso que faço quando guio a imaginação de alguém, para que nomes, pessoas, presenças, não adulterem o objectivo ou a conclusão a que quero levar a quem me lê e quem me ouve.

Eis que o faço também agora:

Imaginem-se dentro de um quarto escuro. Sabem, de memória, a disposição de tudo o que está no quarto, o sítio das mobílias, as arestas das paredes… Já houve luz neste quarto e durante tempo suficiente para se poder, agora, reconfigurar mentalmente tudo o que foi engolido pela escuridão. É isto dia após dia, sabendo que há uma luz que aparece, uma vez por outra, em locais diferentes. Antes, todos tinham luz, mas foram-se apagando gradualmente, como se um tivesse de ser melhor que o outro. Tentaram levar a sua luz alto, o que por si só não é censurável. Mas quando uma luz é esforçada por motivos que não são os mais correctos tem tendência a fundir. E o quarto ficou escuro…
Um dia podem sair. Houve mais, há-os quase regularmente, e a vossa disposição é sempre boa. Há mais quartos, portanto, e com mais luz, mas é mais raro poder estar neles. Nesse dia, podem sair. Viajam, com memória na máquina fotográfica e no dedo que carrega na tecla para escrever e na mão que pega na caneta e na cabeça que grava para rever… E na voz, sobretudo na voz, que grita inaudível que quer mais luz do que aquela que lhe é dada a ver diariamente.
Chegam. Um novo quarto, mas por tempo limitado. Um monte de conversas novas, uma exacerbação de luz espectacular, uma visão que, se fosse possível gravar seria o filme de sempre. Não o maior de sempre, mas sim o de sempre. Não um filme, mas sim o filme.
O quarto mostra-se. Gente que brilha encontra-se sentada nele. Um aqui, outros ali, todos para o mesmo. Luz.

Foi assim, para mim, em Vila Real. Ninguém me conhecia verdadeiramente, mas senti-me bem. Afinal é fácil. Basta carregar no interruptor. Mas porque não fazem todos isto diariamente. Eu, por mim, acordo e digo:

- Faça-se luz!

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