Rogério Samora

Nunca postei nenhuma daquelas palavras que a sociedade decidiu ostracizar no Fiel Depositário. Talvez tenha chegado a altura de assumir que todas as palavras, sem excepção, encerram na sua essência uma beleza que não pode sucumbir a qualquer censura.

Afinal, a literatura usa-as, as piadas dependem eventualmente delas e a vida contém-nas, embora haja meios em que elas devam ser evitadas, a par de tantas outras.
Recordo, a este propósito, o episódio em que uma enfermeira, com um papel determinante naquele Centro de Saúde, soltou a interjeição perfeita para atacar os académicos que preferem os papéis à luta pela integridade da profissão. «À merda mais os registos!» E esta frase não se esquece.


Um dia, numa aula, um professor pergunta-me que livro tinha lido na semana anterior. Em verdade absoluta respondi Memória das Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez. «É tão bom quando um livro nos permite dizer um palavrão numa aula», respondeu o professor. Eu referi que podia citar mais um, de Miguel Esteves Cardoso. Ele disse que também conhecia e que eu não precisava de dizer. Pensávamos ambos em O Amor É Fodido.


Rogério Samora, em entrevista à Tabu, revista do semanário Sol, também usou as palavras, também elas por vezes um tabu tão grande quanto as letras garrafais da capa da publicação.


Mas se precisa tanto de companhia por que não abre o coração a alguém?

Estou mal arranjo uma companhia?!? Arranjar mulher porque preciso de companhia era no tempo de Salazar. Respeito as pessoas. Uma mulher sentia-se bem com um homem que dissesse: ‘Amo-te, és linda, deixa-me foder-te’, só porque queria companhia e alguém à espera quando chegasse a casa? Se fosse mulher sentir-me-ia muito mal se alguém estivesse comigo só porque precisava de alguém À espera em casa. Prefiro tratar das minhas neuras sozinho. (sic)


Nunca diz ‘fazer amor’?

O amor não se faz, acontece. Essa expressão é feiíssima. Ama-se, faz-se sexo, mesmo que seja com amor. Isso é um preconceito português de achar que foder é só com as putas. Um dos grandes tabus da humanidade continua a ser o sexo. Como é possível viver nos dias de hoje sem prazer? O sexo não serve só para procriar! Acho a expressão fazer amor muito pouco ‘tesuda’. (sic)


Simples, barato e sem eufemismos hipócritas, por muito criticável que possa ser.


27 de Outubro de 2007


Comentários

Anónimo disse…
Terça, 27 de Novembro. 23:30. Está a dar o Scrubs na Sic Radical. A Carla pede à colega que convença o marido, cirurgião execrável, a fazer algo. Diz a mulher algo parecido com:
- Se não o fizeres, nunca mais faço sexo contigo- Passo a dizer que te amo e que vamos fazer amor.
Será que o Samora anda a ver sitcoms? Ou generaliza-se a perda da ideia de amor pelo mero prazer?
Para lá da reflexão... Por vezes, ter oportunidade de dizer asneiras é só mesmo o momento de mostrar boçalidade. Nada mais.